Mais uma turma se despede do seu Tempo de Criança, após um ano de trabalho e investigação sobre o que viveram e fizeram durante toda a sua infância. Foram momentos gostosos de conversas e trocas de experiências entre os colegas com a minha mediação. Ouvindo todas aquelas histórias durante esse processo, algumas reflexões começaram a surgir e fui pensando nas diversas infâncias que estavam ali sendo narradas. O que aquelas crianças vivenciaram nos seus diversos momentos, como viveram e o que experimentaram durante todos aqueles anos iniciais das suas vidas e como aquelas experiências foram gradativamente deixando as marquinhas e formando aquelas pessoas que estavam ali na minha frente, com o seus gostos, temperamentos, personalidades, escolhas... Um longo processo de formação foi acontecendo, formação de personalidade, de caráter, de valores, fruto das relações que estabeleceram com seus pais, parentes, professores, colegas, aqueles com os quais foram se relacionando nas diversas experiências que foram vivendo.
Uma rica infância foi de fato vivida.
Constato isso com uma doce e orgulhosa alegria, digo isso, pois tenho plena convicção que ser criança não é necessariamente ter infância. Ser criança é um fato biológico, este período é definido, como aquele que vai desde o nascimento até os 12 anos. Mas ter de fato infância depende do modo como ela vive essa etapa da vida e que é determinante para seu desenvolvimento e para o ela será no futuro. Ter infância depende de múltiplos e complexos fatores entre eles o modo social e cultural de pensar a criança.
A infância é uma fase de suma importância, é a fase da vivência e percepção do mundo a partir do olhar, tocar, saborear, sentir e agir. Tudo isso faz parte do universo infantil. Viver a infância é poder brincar, correr, pular, cantar, sorrir, aprender, questionar... é ter ao lado, sempre adultos responsáveis que cuidem, amem e orientem este ser em formação. Viver a infância é poder ouvir histórias que estimulem a imaginação, é aprender seus direitos e deveres, é conviver com pai e mãe, é poder alfabetizar-se no tempo certo, é ter uma rotina leve, assumindo as mínimas responsabilidades que é capaz. É não estar expostas a novelas, filmes, programas em que não é capaz de digerir e compreender os seus conteúdos, é ser preservada de experiências que não são do seu universo... De um modo geral, cada vez mais, a criança tem sido tratada como um ser que precisa ser preparado para o futuro.
Com isso, o que conseguimos é deixar de ver a criança em seu presente.
Hoje vemos crianças sobrecarregadas de atividades, aulas das mais diversas, sem tempo para brincar, vestindo roupas inadequadas para a idade, frequentando salão de beleza, cantando e dançando músicas de adultos (erotizadas), jogando jogos de adultos pelo prazer da competição. Estão cada vez mais cedo em contato direto com a mídia, videogames e com o computador.
Será que essas experiências não estão abortando a infância das crianças?
Permitir que uma criança seja infantil é a melhor pré-condição para que ela se torne realmente um indivíduo pleno, e não somente parte de uma sociedade organizada. Proteger a criança, lutar pelos seus direitos, pelo direito de ter infância, pode nos ajudar a descobrir novamente, dentro de nós, as qualidades infantis: honestidade, compaixão, alegria, transparência, espontaneidade, trazendo-as para o mundo adulto, a fim de humanizar nossa cultura.
Fica aí a reflexão...
Em nós fica a saudade gostosa e gratificante por ter possibilitado a essas crianças terem sua infância vivida da maneira mais intensa e positiva possível e a alegria de constatar que esse grupo, que agora se despede do seu tempo de criança e ingressa definitivamente na adolescência, está pleno e fortalecido para viver essa nova etapa.
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